A 23ª edição da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) terminou no último domingo, 3 de agosto. Com mais de 600 atividades ao longo de cinco dias, o evento, que em 2025 homenageou o escritor paranaense Paulo Leminski, reuniu cerca de 34 mil pessoas na cidade, um aumento de cerca de 10% em relação aos últimos anos.
A Flip também reafirmou o compromisso do evento com a formação de leitores, a escuta ativa das juventudes e o fortalecimento da rede educadora e cultural de Paraty. Com uma programação robusta, diversa e gratuita, o Programa Educativo mobilizou um público
expressivo em atividades que ocuparam diferentes pontos da cidade.
A Flipinha, por sua vez, cresceu para continuar extremamente criança, viva, lúdica. Rodas de conversa, apresentações artísticas e atividades para crianças, jovens, suas
famílias e educadores aconteceram no espaço, que contou com a Central Flipinha,
montada na Praça da Matriz, assim como os pés de livro, carregados de obras de
editoras parceiras.
O auditório da Matriz, palco por onde passaram as principais atrações nacionais e internacionais, agendou para o último dia de festa uma mesa intitulada “Zé Kleber: espalhar poesia”, com o “poeta da periferia” Sérgio Vaz e o cantor e compositor Luís Perequê, importante nome da cultura popular e caiçara da cidade.
“Vida loka é quem estuda”
O título acima estampava a camisa de Vaz, nascido em Ladainha, Minas Gerais, mas que se mudou para São Paulo ainda na infância. Unindo a sagacidade das ruas e a escrita e oratória dos literatos, o poeta trocou impressões e poesias com Perequê, um músico que começou a cantar a terra em que vivia justamente quando passou uma temporada na Terra da Garoa.
Mediados pela escritora Juliana Borges, eles prestaram homenagem aos professores presentes no auditório e terminaram suas participações fazendo o que sabiam de melhor: enquanto Vaz recitou “Novos dias”, de versos certeiro como “Escreva poemas, mas se te insultarem, recite palavrões”, Perequê cantou “Peixinho”, cuja letra anuncia que “Lá no rio do pocinho dos cristais /eu vi como o peixinho faz /pra arrumar uma namorada / Ele limpa as escamas / sacode as barbatanas / faz cara de quem ama / e ainda mais / sabe o que o peixinho faz? / nada, nada, nada”.
“Poder encerrar o evento foi maravilhoso. Um sentimento de realização, e também de desafio, já que estava sem o violão na mão, apenas com a ferramenta da palavra. Tudo isso de frente para uma plateia linda, formada principalmente por professores”, declarou resumiu Luís Perequê.
Mulheres no comando, filas quilométricas, segurança reforçada
Da poeta e publicitária Alice Ruiz, passando pelas escritoras Conceição Evaristo – Brasil – e Rosa Monteiro – Espanha; da documentarista Petra Costa à cantora Adriana Calcanhoto, arrematando com a participação emocionante da ministra de Meio Ambiente e Mudança do Clima no Brasil, Marina Silva, a Flip deste ano foi das mulheres. No palco, na plateia e até mesmo na coletiva de imprensa realizada ao final do evento, elas brilharam, mostrando talento e posicionamento firme perante injustiças ainda presentes na sociedade.
Filas também marcaram a Flip. Fosse na entrada do auditório da Matriz ou esperando pelo início das mesas nas casas parceiras do evento espalhadas pelo Centro Histórico, multidões se aglomeraram pelas ruelas de Paraty. Pessoas chegando com duas horas de antecedência para determinado bate-papo e ainda assim não conseguindo entrar; senhores e senhoras de meia-idade com determinação adolescente para entrar em conflito com possíveis fura-filas. A popularidade é mesmo uma via de mão dupla, e o evento segue crescendo. Para onde? Não sabemos.
O que é sabido é que esta também foi a Flip das tensões. Mesmo que “elegantes”. Um sistema de segurança reforçado, com revista de pertences e utilização de detector de metais, foi utilizado durante a palestra da ministra Marina Silva e do escritor israelense Ilan Pappe, um ferrenho crítico de Israel, que inclusive, agradeceu ao evento por não ter cedido às pressões contra a escalação de seu nome. Perguntado sobre essa questão específica, o diretor artístico da Flip, Mauro Munhoz, explicou.
“A coordenação da Flip é feita pela lente da linguagem, e o escritor foi escolhido por isso. É claro que a linguagem artística é sempre política, mas a Flip não é político-partidária. Para nós, não existem dois lados: existe um fenômeno complexo, que é analisado por um historiador que tem condição de fazer uma análise que traga mais entendimento para o mundo. As pressões que sofremos foram muito civilizadas. Uma sugestão de mudar um mediador, de ter o outro lado da história. Mas temos uma solidez muito grande na estrutura da Flip, que não é um simpósio e nem um espaço de representação de estado. Não existe nenhuma obrigação numa programação focada na linguagem de expor os dois lados, e todas as pessoas que nos acessaram entenderam isso de uma maneira muito clara”.
Se “é necessário o coração em chamas para manter os sonhos aquecidos”, como diria o poeta Sandro Vaz, parece que a Flip segue acendendo fogueiras. Que venha 2026.