Matéria retirada do jornal O Eco
Em nova investida para realizar o sonho particular da família Bolsonaro de transformar a região da Costa Verde, no litoral do Rio de Janeiro, numa “Cancún brasileira”, o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ) encaminhou proposta que prevê a municipalização das unidades de conservação federais e estaduais da região. O Projeto de Lei Complementar n° 157, de 2021, proposto por Flávio, autoriza a criação de uma região administrativa integrada pelos municípios de Angra dos Reis, Paraty e Mangaratiba, para fomentar um polo turístico.
Entretanto, adiciona a isso, “como condição de integração econômica e desenvolvimento do turismo sustentável”, a municipalização das unidades de conservação da região. A proposta também exclui mais de 96% da área da Estação Ecológica de Tamoios.
De acordo com o projeto (PLC 157/2021), fica estabelecida a municipalização das unidades de conservação de uso sustentável, como a Área de Proteção Ambiental (APA) de Tamoios e a Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Aventureiro. E as de proteção integral, como o Parque Estadual da Ilha Grande e a Estação Ecológica de Tamoios, “poderão ser municipalizadas, respectivamente em cada território sob sua jurisdição, desde que haja interesse dos municípios”.
“Na municipalização de unidade de conservação, fica cada município da RIDES [Região Administrativa Integrada de Desenvolvimento Sustentável] Costa Verde/RJ, autorizado a rever o zoneamento do plano de manejo da respectiva área de proteção ambiental existente no seu território, flexibilizando-as ou restringindo-as, de acordo com estudos técnicos que contemplem além das questões socioambientais, o desenvolvimento do turismo sustentável”, acrescenta o texto do projeto. De acordo com o texto de Flávio Bolsonaro, a proposta tem o apoio das prefeituras.
A proposta também altera diretamente o decreto de criação da Estação Ecológica de Tamoios, área protegida marinha composta por 29 ilhas, ilhotes, lajes e rochedos localizada entre Paraty e Angra dos Reis, e exclui cinco delas. Entre elas, a ilha do Sandri, localizada a 2,8 quilômetros do litoral da Vila de Mambucaba, onde a família Bolsonaro tem uma casa. A ideia de erguer um cassino e um resort na ilha – um plano antigo do setor imobiliário, frustrado pela criação da Estação Ecológica, que proíbe este tipo uso – voltou a ganhar força desde que Bolsonaro chegou à presidência.
Além dela, são desafetadas as ilhas Catimbaú, Ganchos, Comprida e Palmas. A proposta também remove a faixa marinha de 1 quilômetro de proteção a partir de cada uma das ilhas que compõem a Estação Ecológica, e reduz a proteção à parte terrestre, que representa menos de 4% da área protegida.
Por fim, o projeto de lei cria a Área de Proteção Ambiental Marinha da Baía da Ilha Grande, sob gestão municipal, respectivamente em cada território sob sua jurisdição, e cria o Mosaico Marinho da Baía da Ilha Grande. A proposta não detalha, entretanto, os limites da APA ou do Mosaico.
O projeto foi apresentado por Flávio Bolsonaro no início de outubro, e aguarda inclusão na ordem do dia para que seja debatido na Comissão de Meio Ambiente do Senado.
Em nota conjunta divulgada nesta semana, a Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Especialista de Meio Ambiente (Ascema Nacional) e a Associação dos Servidores Federais da Área Ambiental no Estado do Rio de Janeiro (Asibama-RJ) repudiaram o projeto. “Sob o pretenso motivo de desenvolvimento do turismo nos municípios de Angra dos Reis, Paraty e Mangaratiba propõe, ocultamente, um precedente para promover a própria destruição do Sistema Nacional de Unidades de Conservação”, denunciam os servidores.
“Se o PL nº 6479/2019, também de autoria do Senador Flávio Bolsonaro, propunha simplesmente a extinção da Estação Ecológica de Tamoios, o PLP atual retira cinco das ilhas que compõem a Estação Ecológica de Tamoios e extingue sua área marinha, correspondente hoje a 96% de sua extensão. Cumpre ressaltar que este ambiente marinho protegido pela unidade de conservação é um dos atributos que justificou a sua criação”, reforça a nota.
Os servidores alertam ainda que a proposta acaba, na prática, com a única unidade de conservação marinha de proteção integral da baía da Ilha Grande e com a proteção de habitats importantes para espécies ameaçadas como as toninhas (Pontoporia blainvillei), as tartarugas marinhas (Chelonia mydas) e garoupas (Epinephelus marginatus).
“O motivo pelo qual a municipalização das unidades de conservação seria condição necessária para o desenvolvimento “sustentável” do turismo na “Região Administrativa Integrada de Desenvolvimento Sustentável da Costa Verde” criada pelo PLP não é explicado no projeto”, questionam os servidores. Na nota, é exposto ainda a vulnerabilidade da gestão municipal, frente à esfera estadual e federal, o que fragilizaria a proteção da natureza e criaria um gravíssimo precedente no Sistema Nacional de Unidades de Conservação. “Cabe aqui destacar que Angra dos Reis e Paraty possuem, cada um, apenas uma unidade de conservação municipal em seus territórios, carentes dos instrumentos de implementação, de apoio financeiro, de recursos humanos e sem nenhum resultado para conservação dos recursos naturais, as famosas unidades de conservação no papel”, acrescentam.
As UCs impactadas pelo projeto
A Estação Ecológica de Tamoios sem dúvida é a maior vítima do PLC 157/2021, do senador Flávio Bolsonaro, mas não a única. A municipalização das unidades de conservação (UCs) estaduais e federais de Angra dos Reis, Paraty e Mangaratiba teria o potencial de afetar até 9 UCs. Quatro de uso sustentável: as Áreas de Proteção Ambiental (APA) de Tamoios, de Mangaratiba e de Cairuçu, que juntas somam mais de 76 mil hectares; e a Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Aventureiro, situada na Ilha Grande, em Angra dos Reis, com aproximadamente 1,9 mil hectares.
Entre as de proteção integral, apenas três estão inteiramente localizadas dentro dos três municípios da Costa Verde: a própria Estação Ecológica de Tamoios, com 8.660 hectares, a Reserva Ecológica Estadual da Juatinga, em Paraty, com 9.797 hectares, e a Reserva Biológica Estadual da Praia do Sul, na Ilha Grande, com 3.309 hectares.
As outras duas, o Parque Estadual Cunhambebe e o Parque Nacional da Serra da Bocaina, têm parte do seu território, mas não todo, dentro dos limites dos municípios. O projeto de lei não especifica se a municipalização poderia ser aplicada também nestes casos.
Todas as unidades de conservação citadas, com exceção de Tamoios e da reserva biológica, permitem e já desenvolvem a atividade turística.
O embate entre “os” Bolsonaro e a Estação Ecológica de Tamoios começou em 2012, quando Jair, na época deputado federal, foi multado por pescar dentro dos limites da área protegida, que não permite a atividade. Assim que Bolsonaro assumiu a presidência, o fiscal responsável pela sua multa foi exonerado e o processo do auto de infração, arquivado. A guerra particular contra Tamoios, entretanto, estava apenas no começo, e conta com apoio principalmente do seu ‘01’, senador Flávio Bolsonaro. Juntos, pai e filho já colecionaram declarações contrárias a unidade de conservação e investidas em projetos de lei para tentar exterminá-la.
Em dezembro de 2019, o senador apresentou o Projeto de Lei 6.479/2019. Assim como a proposta mais recente, também foca na promoção turística da região da Costa Verde, mas, no meio, traz um artigo para extinguir o decreto que cria a Estação Ecológica de Tamoios.
Em julho de 2020, a própria prefeitura de Angra dos Reis teria entregado a Flávio Bolsonaro um projeto para flexibilizar a proteção da Estação, também camuflado sob a justificativa do “desenvolvimento do turismo sustentável”.
Como se as sucessivas investidas e declarações não deixassem explícitas o suficiente as intenções de Bolsonaro, em fevereiro deste ano o ex-presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (sem partido) foi categórico ao afirmar, em entrevista, que acabar com a Estação Ecológica de Tamoios estava na agenda prioritária do presidente.