domingo, agosto 3, 2025
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Confusões, filas e escritoras pop: um sábado de sol e histeria na Flip

Um grupo barulhento se acomoda em frente à entrada do auditório da Casa da Cultura de Paraty. Formada em sua maioria por homens e mulheres de meia-idade, a turma mostra disposição quase adolescente para cobrar um lugar de direito no bate-papo entre a cantora Zélia Duncan, o jornalista Jamil Chade e o escritor Valter Hugo Mãe, dentro da programação da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip).

Enquanto eles seguem forçando a barra para tentar assistir à mesa, uma fila gigantesca formada no mesmo local começa a entender que não conseguirá entrar, mesmo que seja para sentar no chão do auditório, já lotado. As pessoas então seguem o rumo de casa. Ou melhor, de “casas”, das dezenas de casas literárias que vão fazer do sábado, 2 de agosto, o quarto e mais caótico dia da Flip.

Literatura de luta (para entrar nos eventos) e emoção

A primeira palestra parcialmente assistida do dia já havia dado a dica – no nome – de como seriam as próximas horas. “O UFC da FC: fantasia, horror e ficção científica no ringue”. O evento aconteceu na Casa Aleph, dedicada à ficção científica, às 11h.

Naquele o horário, o lugar já estava abarrotado, com o público se dividindo entre torcedores de cada gênero descrito no título do debate, levantando cartazes e gritando palavras de ordem. As muitas mulheres presentes no local, incluindo a autora Ana Rüsche, que dividia a mesa com mais três escritores, eram das mais empolgadas, e davam uma pista de que essa seria a Flip delas, não importasse o estilo.

Mais à frente, às 13h, na Casa Record, a escritora e atriz Maria Ribeiro abarrotou o jardim do espaço para a conversa intitulada “Ultimamente têm passado muitos anos”, mediada por Dani Arrais e com a presença da também atriz Fernanda Nobre. Um público alegre, jovem e pronto para emburrar a cara caso alguém ousasse atrapalhar a visão do evento. Maria lançara recentemente o livro “Não sei se é bom, mas é seu”, pela editora Record, uma coletânea de crônicas escritas desde 2019. Durante a conversa, falou sobre o volume, interagiu com a plateia e se emocionou com a resposta do público.

Ser fã é dobrar a esquina

Mais tarde, às 16h30, na Casa República, a escritora Conceição Evaristo mobilizou centenas de admiradores para a palestra “Anotações de um Brasil que arde”, mediada pela também autora Lilia Guerra. Boa parte dos fãs ficou de fora do evento, que lotou assim que a entrada foi liberada. Bate-boca na portaria, reclamações e ânimos exaltados só arrefeceram quando mais uma leva de interessados no evento foi liberada para entrar.

Dito isto, um bate-papo com uma documentarista seria provavelmente mais fácil de garantir lugar correto? Errado. Agendada para falar na Casa Esquina, junção da revista Piauí com a plataforma de streaming Netflix, Petra Costa motivou outra grande formação de multidão na Flip, com uma fila que literalmente dobrava esquinas. Uma pena: seu documentário mais recente, “Apocalipse nos Trópicos”, que fala sobre a relação entre religião e política, é uma obra importante para estes tempos. E ver a autora falando sobre o filme seria certamente especial.

Inteligência Artificial, caos construtivo e manifesto contra a tristeza

Antes de conferir uma das palestras finais da noite, da programação principal da Flip, vem a notícia de que a ministra Cármen Lúcia, presidente do Tribunal Superior Eleitoral, também estará no evento, participando de uma mesa sobre Inteligência Artificial e direitos autorais, junto do presidente da Fecomércio RJ, Antonio Florencio de Queiroz Junior.

O bate-papo está marcado às 18h, mas mesmo chegando com 20 minutos de antecedência, já não há como entrar para acompanhar. Resta assistir pelos televisores instalados na Casa Sesc, virados para a rua, que neste momento, está tomada por pessoas com os olhos vidrados nas telas.

Por sorte, ainda consigo uma declaração do presidente da Fecomércio RJ, que resume o debate e a complexidade do tema que os brasileiros têm nas mãos – e nas telas – daqui por diante.

“Esse é um tema bastante polêmico. Nós estamos no centro de uma transformação intensa da sociedade. Redes sociais, inteligência artificial, o ambiente digital está sendo redesenhado e levantando questões importantes sobre a regulação e direitos autorais. Nós, da Fecomércio, defendemos sempre um equilíbrio, garantir a liberdade de expressão, segurança jurídica para as empresas e proteção aos criadores de conteúdo. Estamos acompanhando de perto os debates em Brasília e queremos contribuir com dados e propostas que promovam um ambiente digital saudável. Essa é sempre a nossa posição e que ela seja transparente e justa. A tecnologia deve impulsionar o desenvolvimento e não gerar insegurança”, declarou Antonio Florencio.

A cobertura do quarto dia da Flip terminou no auditório da Matriz, onde a escritora espanhola Rosa Montero abriu a mesa “A ridícula ideia de estar lúcida”, às 19h, com uma gritaria que demonstrou uma positiva insanidade por parte de seus admiradores.

“Vocês são as pessoas mais amorosas do mundo”, ela disse, emocionada, recebendo mais aplausos e gritos. O tom da conversa, apesar de girar em torno de temas sérios, como neurociência, luto e imaginação, foi sempre alegre, quase solar, uma espécie de manifesto contra a tristeza. “Não gosto dessa ideia de que o escritor precisa sofrer muito. Não é verdade. Não é preciso sofrer muito para nada”.

Talvez, apenas para conseguir um bom lugar nas palestras da Flip, Rosa.

Uma nota antes do fim do texto: a Flip não é mais para amadores. Não dá para flanar pelas ruas de Paraty e parar num evento qualquer, na intenção de desfrutar de uma boa conversa sobre um tema interessante. É preciso estratégia, planejamento e muita paciência para conseguir assistir a um bate-papo presencialmente. E quer saber? É ótimo que seja deste jeito. Nada mais emocionante do que ver homens e mulheres se descabelando por literatura, por cultura, algo que ainda é, infelizmente, tão distante de boa parte da população. Que continuemos lotando a Flip, e que cada vez mais pessoas possam usufruir desse saudável caos construtivo.

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