Apesar de ainda restarem dois dias para o fim da 23ª Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), é bem provável que na última sexta-feira, 1º de agosto, o evento tenha apresentado sua programação mais importante por conta das presenças do historiador israelense Ilan Pappe e da ministra do Meio Ambiente e da Mudança do Clima no Brasil, Marina Silva.
Escalados para as mesas principais da Flip, no auditório da Matriz, respectivamente às 17h e às 19h, ambos os convidados também apresentaram similaridades na questão de segurança: na entrada das palestras o público foi revistado, com direito à utilização de detector de metais.
Flip do “PL”: Paulo Leminski
Às 12h30, uma fila imensa havia se formado no espaço dedicado ao encontro dos autores do evento com o público, para as sessões de autógrafos. Quem estava no local, conversando com as pessoas pacientemente, era a poeta e publicitária Alice Ruiz.
Viúva de Paulo Leminski, homenageado do evento, ela havia participado da mesa “Vide o verso”, realizada às 10h, ao lado das também poetas Claudia Roquette-Pinto e Marília Garcia.
Na Praça da Matriz, no mesmo horário, crianças de todos os tamanhos e idades participavam de variadas brincadeiras, tendo o livro como objeto principal da maioria delas. Observando a tudo, uma menina de uns 14, 16 anos, usava um bigode falso gigante, fazendo alusão ao visual do poeta paranaense celebrado pela Flip.
Mais de 35 anos depois de sua morte, Leminski continua pop, inescapável e necessário.
Flip da “PL”: Palestina Livre
Com a chegada da tarde e o aparecimento de algumas nuvens mais escuras no céu antes azul, o evento também acompanha o sentimento de mudança de ares. A palestra das 17h, do programa principal da Flip, tem um forte esquema de segurança, com jornalistas e público em geral sendo revistados na entrada do evento.
O celular de trabalho com a bateria acabando é preocupante. Mas parece que não mais do que a mesa de Ilan Pappe, no auditório da Matriz. Historiador israelense com uma postura crítica a Israel, com livros que denunciam a limpeza ética de Gaza, ele foi o motivador de toda a operação. Ele não, melhor dizendo: o ódio que opositores sentem pelo trabalho dele.
Numa mesa de conversa intitulada “Breve história do longo conflito”, Illan falou que cresceu num meio judeu muito tradicional. Na época dos estudos, começou a se interessar por História, que viria a nortear sua escolha profissional. Ao longo do tempo, já formado, suas pesquisas o levaram à posterior expulsão da faculdade onde lecionava e também ao exílio para a Inglaterra.
Por conta de seu posicionamento firme, que vai de encontro ao que esperam de um israelense, Illan acaba pagando um preço alto, que envolve risco de vida. Ainda assim, como demonstrou Flip, parece continuar disposto a pagar.
Flip do “PL”: Projeto de Lei
Em seguida à palestra de Ilan, chegou a vez daquele que talvez tenha sido o encontro mais esperado do evento. Também marcada por revista de pertences e uso de detector de metais nos participantes, a mesa “O caminho da Floresta”, protagonizada por Marina Silva, rapidamente dissipou a tensão relacionada à segurança.
A entrada da ministra do Meio Ambiente no Auditório da Matriz, que estava completamente lotado, foi seguida por uma ovação digna de uma musa pop. A plateia se levantou das cadeiras e celebrou com palmas uma pessoa cujo trabalho em prol do meio ambiente não parece ter sido nem mesmo minimamente prejudicado por recentes ataques políticos e pessoais.
Mediada pela jornalista Aline Milej, a mesa falou sobre várias questões ambientais e de sustentabilidade, com destaque para a PL 2159/2021, que ficou conhecida como a “PL da Devastação” por alterar as regras do licenciamento ambiental no Brasil, flexibilizando o processo e permitindo que empreendimentos sejam licenciados de forma mais rápida e com menos exigências.
“O licenciamento ambiental é a principal vértebra da proteção ambiental do Brasil. Não consigo ver como conseguiremos alcançar as metas de redução de emissão de CO2 se o licenciamento for mutilado e desfigurado como está sendo no PL, na forma que foi aprovado no congresso”, resumiu Marina Silva.
A ministra passou por todos os temas propostos na conversa com maestria, desfilando inteligência e, ao mesmo tempo, humildade. Ela ainda participou de uma entrevista coletiva após a mesa, falando principalmente sobre a questão dos preços abusivos de estadia que estão sendo cobrados para a COP30, que acontece neste ano, em Belém. Ainda assim, o que provavelmente vai ficar na lembrança daqueles que participaram da palestra será a história emocionante de Marina, sua avó e um cordel.
A ministra contou que quando era pequena, ficou fascinada por um cordel que relatava a disputa de rimas entre um letrado da cidade e um sertanejo. Marina quis saber por que o homem da caatinga, que ganhava durante praticamente toda a batalha, perdeu ao final do duelo. Ao saber por sua avó que o motivo da derrota foi uma trapaça por parte do letrado, que sabia ler, enquanto o sertanejo não, ela disse aos prantos para a avó.
“Eu não quero ser analfabeta”.
Mariana chorou novamente com a história relatada na Flip. Junto com ela, boa parte da plateia também foi às lágrimas. E assim, entre choro e riso, aplauso e tensão, a Flip segue.
Flip 2025 – programação principal
Sábado, 2/8, às 10h
Mesa 14: “Senhora Liberdade”, com Nei Lopes.
Sábado, 2/8, às 12h
Mesa 15: “Ser mulher na América Latina”, com Dahlia de la Cerda e Dolores Reyes.
Sábado, 2/8, às 15h
Mesa 16: “Pertencer, transformar”, com Astrid Roemer e Verenilde Pereira.
Sábado, 2/8, às 17h
Mesa 17: “Invenção, memória”, com Cristina Rivera Garza e María Negroni.
Sábado, 2/8, às 19h
Mesa 18: “A ridícula ideia de estar lúcida”, com Rosa Montero.
Sábado, 2/8, às 21h
Mesa 19: “Roçar a língua de Camões”, com Caetano Galindo e Ricardo Araújo Pereira.
Domingo, 3/8, às 10h
Mesa 20: Mesa Zé Kleber: Espalhar poesia”, com Luiz Perequê e Sergio Vaz.